Quase 40 anos depois de sua primeira candidatura à Presidência, em 1989, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), mantém o mesmo sotaque goiano e o orgulho de ser identificado como “o candidato do agro”. Agora, porém, ele busca ampliar sua imagem: além do tradicional perfil ruralista, quer se apresentar como um político experiente, com décadas de “confronto com Lula e o PT”, na tentativa de ocupar o espaço que Jair Bolsonaro (PL), inelegível, pode deixar na disputa de 2026.
Em entrevista à BBC News Brasil, em Salvador, na véspera do lançamento de sua pré-candidatura, Caiado evitou mencionar Bolsonaro diretamente, mas fincou bandeiras caras ao eleitorado de direita: criticou o aumento de impostos para os mais ricos proposto pelo governo Lula, defendeu a atuação da polícia de Goiás — um dos Estados com maior letalidade policial do país — e rejeitou acusações de que o agro brasileiro promove desmatamento ilegal.
“O agro deu certo”: a defesa do setor rural
Questionado se ainda se sente “incompreendido” como o “candidato do agro”, Caiado foi enfático:
“Naquela época [1989], era impressionante a campanha contra o produtor rural. Tentavam estigmatizá-lo como insensível, sem compromisso social. Hoje, todos defendem o agro. Na época, só eu tinha coragem. O Brasil é a maior potência em alimentação, não só para brasileiros, mas para quase um bilhão de pessoas no mundo. O agro deu certo.”
Sobre as críticas internacionais à sustentabilidade da pecuária e agricultura brasileiras, o governador disparou:
“Qualquer parlamentar europeu que queira discutir isso, estou à disposição — com dados, não achismo. Participei da elaboração do Código Florestal. Na Amazônia, a lei exige 80% de preservação e 20% de ocupação. E ela está sendo cumprida. Nós temos todos os biomas preservados, ao contrário da Europa, que alimenta gado com resíduo animal e criou a vaca louca.”
Caiado atribuiu as cobranças estrangeiras a interesses econômicos:
“Quando produzíamos 60 milhões de toneladas de grãos, ninguém falava nada. Agora, com 320 milhões, se assustaram. É viés econômico, não ambiental. Se o Brasil produzisse carros ou máquinas, criariam barreiras.”
“A tropa do Estado é preparada para o confronto”: segurança pública
Goiás é o terceiro Estado com maior taxa de mortes violentas por policiais em 2023, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Sobre o tema, Caiado foi taxativo:
“A segurança em Goiás é plena. Temos 87% de aprovação [segundo pesquisa Quaest]. Quando o crime confronta a polícia, quem morre? A tropa do Estado age para proteger a população.”
Ao ser questionado se a polícia está “matando demais”, respondeu:
“Você está invertendo a pergunta. Estado bom é quando o crime mata muito? A polícia de Goiás protege. As facções dominam postos de gasolina, supermercados, penitenciárias. No Brasil, elegem prefeitos, deputados, governadores. Isso acontece na Europa? Não. Quem critica são ONGs sustentadas por eles.”
Ele rejeitou a instalação de câmeras em uniformes policiais:
“Não considero. A Corregedoria é capaz de fiscalizar. As diretrizes vêm do governo e da polícia.”
“Ato populista”: críticas ao governo Lula
Sobre a proposta de taxar grandes fortunas para compensar a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, Caiado foi crítico:
“É um ato populista. Lula já gastou quase R$ 1 trilhão sem plano, elevou a dívida de 72% para 78% do PIB. Se não controlarmos o gasto, vai taxar todo mundo. O Brasil já tem carga tributária de 32%. Ninguém aguenta.”
Ele também minimizou o impacto do “tarifaço” de Donald Trump contra o aço brasileiro:
“Temos a Ásia como mercado. Isso afeta um setor, mas compensamos em outros. A briga não vale a pena.”
“Não sou preposto de ninguém”: o vácuo bolsonarista
Ao ser perguntado sobre como atrairia o eleitorado de Bolsonaro, Caiado evitou citar o ex-presidente, mas destacou sua trajetória:
“Nenhum político tem mais histórico de confronto com Lula e o PT do que eu. Não sou encabrestado. Governo se faz com coerência, não oportunismo. O Brasil está em risco: o Congresso e o STF extrapolam, e o Planalto não lidera. O próximo presidente precisa ter independência moral.”
Processo por abuso de poder
Caiado foi declarado inelegível pelo TRE-GO por usar o Palácio das Esmeraldas (residência oficial) em eventos para apoiar o candidato a prefeito Sandro Mabel (União Brasil). Ele contesta:
“É minha residência. Recebi vereadores, como Lula e Bolsonaro fazem no Alvorada. Se estivesse no gabinete, seria diferente. Essa matéria não tem fundamento.”
O recurso será julgado em 8 de abril. Se confirmada a inelegibilidade, sua pré-candidatura estará em xeque.
Plano de governo: segurança, empreendedorismo e reformas
Questionado sobre medidas impopulares em um eventual governo, Caiado citou:
“Criaria o Ministério da Segurança Pública, com inteligência e controle de fronteiras. Estimularia empreendedorismo jovem e regionalização da saúde. Precisamos de reforma da Previdência, administrativa e corte de incentivos fiscais ineficientes. Quem não tem coragem, ‘amarela’.”
E finalizou: “O Brasil não pode ficar perdido em discussões. Ou focamos em educação, saúde e tecnologia, ou afundamos.”