A Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 176/2023, que propõe a criminalização do uso de veículos de tração animal em todo o território nacional. De autoria dos deputados Delegado Matheus Laiola (União-PR) e Delegado Bruno Lima (PP-SP), a medida avança no Legislativo em meio a um acalorado debate que coloca o bem-estar animal em confronto com a realidade socioeconômica de milhares de trabalhadores que dependem dessa atividade para sua subsistência.
A proposta altera a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), estabelecendo penas de um a quatro anos de reclusão, além de multa, para quem utilizar equinos, asininos, muares, caprinos ou bovinos para tração de veículos, carroças ou transporte de cargas. Em casos de lesão ou morte do animal, as penas podem ser ampliadas, chegando a até oito anos de prisão. O projeto também veta o uso de animais em circos, espetáculos e atividades de entretenimento.
O relator da matéria, deputado Bruno Ganem (Pode-SP), defendeu a aprovação argumentando que a tração animal já não representa um percentual significativo na matriz de transporte do país e que a legislação precisa avançar na proteção contra maus-tratos. “É uma prática que precisa ser superada. A modernidade e a compaixão exigem que retiremos os animais dessa condição de exploração”, declarou.
Impacto Social e Críticas
Apesar do objetivo laudável de proteção animal, o projeto enfrenta forte resistência de entidades sociais, representantes do setor rural e de trabalhadores informais, que alertam para as consequências sociais da medida sem uma transição adequada.
A principal crítica reside na ausência de um plano de substituição de renda ou de alternativas viáveis de transporte para as categorias mais afetadas, como catadores de materiais recicláveis e agricultores familiares de subsistência. Sem políticas públicas estruturadas, especialistas temem que a criminalização empurre milhares de pessoas para a pobreza e a exclusão social.
“É inegável a necessidade de combater os maus-tratos, mas criminalizar a atividade sem oferecer uma saída é condenar à fome famílias que trabalham honestamente. Muitos não têm condições de adquirir um veículo motorizado”, argumenta um representante de uma cooperativa de catadores.
Há também questionamentos jurídicos sobre a constitucionalidade do projeto, com argumentos de que ele fere direitos fundamentais ao não garantir a dignidade mínima de trabalhadores que exercem uma atividade atualmente lícita para sobrevivência.
Exceções e Próximos Passos
O texto prevê exceções para algumas atividades específicas, como esportes e lazer (hipismo, turfe, equoterapia), uso por forças públicas de segurança e, notadamente, para a agricultura familiar de subsistência, desde que sejam respeitadas as boas práticas de manejo animal.
Agora, o PL 176/2023 segue para a análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde será avaliado sua aderência à Constituição Federal. Se aprovado, ainda precisará passar pelo Plenário da Câmara antes de ser enviado ao Senado Federal.
O projeto coloca em evidência um embate complexo, destacando a necessidade de um equilíbrio delicado entre a ética na proteção animal e a implementação de políticas públicas inclusivas. Enquanto defensores dos animais celebram a iniciativa como um marco de avanço civilizatório, trabalhadores e entidades sociais cobram mais responsabilidade do Legislativo, para que a busca por justiça ambiental não se transforme em uma nova forma de injustiça social.