6 de dezembro de 2025
Goiânia

Rua 8 X 8: diatribe contra o urbanismo de uma só rua no Centro histórico de Goiânia

Imagem reprodução

Para que a revitalização do Centro seja efetiva e sustentável, é preciso considerar a intersetorialidade de políticas públicas, no tocante à gestão da mobilidade, limpeza, iluminação, segurança e acessibilidade das pessoas no espaço público. O Centro é mais que um território de passagem, mobilidades de pessoas e mercadorias, mas também um território afetivo que todos estão vinculados, moradores ou não. Para isso deve ser pensado a partir de uma zeladoria comunitária, como temos defendido por meio do observatório do Centro Goiânia 100 por Centro. Esse experimento de planejamento urbano participativo permite pensar e executar formas sustentáveis, inclusivas e acessíveis de ocupação do solo, conciliando interesses de moradores, empresários, turistas, passantes e agentes públicos, inclusive, do IPHAN.

O fechamento temporário de vias, como ocorre na Rua 8, contribui para a requalificação do Centro, dando mais conforto e segurança para os frequentadores dos bares, apesar de prejudicar o fluxo de famílias que frequentava o cinema Ritz. O Centro, apesar do frisson da rua 8, ainda vive uma certa decadência, sobretudo, no período noturno e finais de semana. Nesse sentido, o fechamento temporário aponta para uma ressignificação do espaço, afetando, até certo ponto, positivamente, o comportamento espacial. Até certo ponto, porque, apesar de bem-vindas as iniciativas para repovar o Centro, concentrar todos os esforços de lazer público na 8, no que tenho chamado de urbanismo de uma só rua, é perder a noção de floresta, para focarmos em uma só árvore. Temos diversas ruas históricas para frequentar e cultivar, mas os jovens e alguns vereadores só querem saber da 8, mesmo que tenhamos 80 ruas icônicas para mobilizar novos usos e resgatar antigos pertencimentos. Ademais, essa concentração excessiva tende a atrair oportunistas da polícia/guarda e tráfico de drogas para se aproveitarem do caos para roubarem a cena em um local cujo protagonismo deveria ser todos dos jovens, pois foram eles que reconquistaram o centro.

Em termos de planejamento, existem diversos desafios de revitalizar áreas históricas que hoje sofrem com esvaziamento comercial, insegurança e infraestrutura defasada, sendo o principal deles o oferecimento de serviços básicos de manutenção e segurança do espaço para garantir a cidadania da população no Centro. Em paralelo a esse esforço de preparar o terreno por parte da gestão municipal, há que mudar a mentalidade cultural sobre a importância do patrimônio histórico para salvaguardar zonas de ressonâncias e memórias para os cidadãos, cada vez mais segregados em espaços privados, como shoppings e condomínios fechados.

E para isso, é preciso investir em educação patrimonial, porque não adianta deixar o Centro todo arrumado, se cidadãos não tem consciência história da relevância do patrimônio edificado do Art Decó, por exemplo. Tanto é que os empresários não limpam suas fachadas para deixar o partido arquitetônico modernista falar mais alto no Centro. Quando eles perceberem que a população valoriza o bem comum do Centro e estão escolhendo empresas com responsabilidade social, no outro dia eles vão revelar o Art Decó sequestrado da população e invisibilizado atrás dos tapumes. Com a população empoderada de seus direitos à cidade e ocupando os espaços vazios com arte urbana, skate e hip hop, refundando territórios com arte e cultura, nós mesmos temos condições de cobrar e exigir mais benfeitorias e serviços públicos de iluminação, jardinagem e segurança urbana. Mas, como isso, não aconteceu por um esquecimento coletivo do Centro, o Estado está sempre reinaugurando a rua 8, mas sem tirar do papel os diversos planos para essa localidade.

Falam muito do Centro, mas se esquecem que o bairro Popular também é centro. Tendo sido a área mais estigmatizada de Goiás e do Brasil, por causa do acidente radioativo, atualmente, os moradores da região vivem o drama da drogadição por crack, que criou uma zona de permissividade perigosa. Até o Tribunal de Contas do Munícipio quer sair dali, tendo para isso privado a população de ver o Palácio Alfredo Nasser se tornar o Museu do Urbanismo em Goiânia, o que contribuiria para uma maior culturalização da ímpar internacional história urbana da cidade. Por outro lado, o Bairro Popular, espécie de área, prioritariamente, residencial do Centro, é onde estão os moradores do Centro, que não são de apartamentos, e têm condições de criar mais laços de vizinhança e comunidade permitindo uma retomada mais completa do Centro em Goiânia. Construir o Memorial de Césio, como proposto pelo vereador Lucas Kitão, talvez, seja uma forma de autenticar o passado e fazermos as pazes com nossa memória trágica, que talvez nos impeça de cultivar um maior amor-próprio do nosso cor-local. Precisamos pensar o Centro e suas áreas vicinais como região expandida. O Centro não é a rua 8 e nem o Centro é só o Centro.

Há que se pensar em estratégias de conciliação de valorização cultural e histórica do Centro com a necessidade de modernização, especialmente em relação a acessibilidade, mobilidade ativa e mobiliário urbano. A mobilidade urbana ativa, através de uso pedestre e ciclístico do espaço público é totalmente antenada com os valores do novo urbanismo da cidade 15 minutos e da cidade para as pessoas e deveria ser um instrumento de política pública de saúde, transporte, esporte, turismo, cultura, patrimônio e lazer. No entanto, a situação de precariedade repleta de pedregulhos no mobiliário urbano composto pela ciclovia da Av. Assis Chateaubriand, em frente ao TJ-GO e ao Bosque dos Buritis, que liga o Centro ao st. Oeste, é uma amostra do descaso com o bem comum. E se para bicicletistas, o risco patente, para os cadeirantes e demais pessoas com deficiência, o Centro segue sendo uma faixa de gaza em potencial, porque acessibilidade e turismo acessível não costumam ser pautas muito defendidas na capital. Tanto que ainda não foi sequer cogitado a realização de um Plano Diretor de Acessibilidade. Na verdade, desde as obras do BRT o Centro segue com diversas calçadas sem rampas, inclusive na Avenida Goiás e na Praça Cívica, com inúmeros bueiros destampados ou quebrados, à espera de um infeliz, deficiente, idoso ou apressado, para aumentar as estatísticas de acidentes causados por desmazelos da manutenção dos equipamentos públicos. A sensação geral é de que o prefeito banca o zelador, mas não entende nada de zeladoria. 

Fred Le Blue Assis (doutor em Planejamento Urbano e idealizador do Goiânia 2030 e Goiânia 100 por Centro)

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