As enchentes na Avenida 87, no Setor Sul de Goiânia, têm causas multifatoriais de caráter geográfico, infraestrutural e urbanístico, o que resultou na impermeabilidade do solo por falhas no sistema de drenagem urbana natural e artificial.
O que ocorre é que a Avenida 87 está localizada num ponto naturalmente mais baixo do relevo urbano, funcionando como um ponto de confluência ou canal natural para o escoamento superficial da água de regiões adjacentes mais altas. A implantação de vias como a Avenida Cora Coralina no final dos anos 90 modificou o fluxo natural das águas também, direcionando mais volume para a região da Avenida 87.

Após as chuvas de setembro, a gestão municipal divulgou que faria uma série de intervenções emergenciais, incluindo contenções, drenagem, instalação de muros de arrimo, barreiras móveis e bloqueios emergenciais com cancelas e ações de controle de tráfego na Avenida 87 e Av. Marginal. A obra contra alagamentos na Marginal Botafogo já foi concluída, mas ainda nem começou na Avenida 87. Mesmo que parte das obras não tenha nem começado ou não tenha ainda avanço visível, o que se percebe é que se trata apenas de soluções paliativas para prevenir ou mitigar os possíveis danos de tragédias futuras. Com a atual conjuntura de mudanças climáticas na pauta do dia, nada impede que uma enchente seja pior que a outra, de forma que deveria ser pensada uma solução sustentável para os próximos 100 anos, que, no caso da Marginal, desmarginalizasse o córrego, transformando-o em parque linear, como previsto no projeto original de Goiânia.
Para reduzir os alagamentos na região central da cidade de forma permanente, o que temos defendido é que todo o quarteirão da Av. 87, Rua 148, Av. 136 e Rua 132, sejam desapropriados para ampliar a área de preservação natural da nascente do Córrego Buriti, que não está aberta a todos os moradores. Temos que lembrar que há relatos de desmatamento na região para a construção de um novo campo de futebol, o que gerou preocupação entre moradores e associações. Esse quarteirão poderia ser utilizado para a construção de um grande jardim de chuva, área espongiária e alagável para fins de drenagem urbana e recreação pública, que poderia ser utilizado também para criar um parque aquático comunitário (piscinão).

Com o crescimento desordenado da cidade, as zonas envoltórias da Av. 87 sofreram intensa urbanização adensadora e verticalizante, como, por exemplo, a região compreendida entre a Avenida 136 e Ricardo Paranhos no Setor Marista, o que reduziu a capacidade de infiltração natural da água no solo. O sistema de galerias de águas pluviais existentes na região, embora tenha passado por algumas intervenções parciais ao longo dos anos, amiúde, não é suficiente para suportar o volume de água de chuvas e de curta duração, cada vez mais crescentes. Há também o acúmulo de lixo e entulho nas ruas e bueiros, contribuindo para a obstrução do sistema de drenagem, piorando ainda mais o escoamento da água.
O Setor Sul tornou-se uma ilha residencial cercada de todos os lados, a última trincheira de uma Goiânia bucólica, mas que sofre as implicações do desenvolvimento sem planejamento urbano participativo e sustentável. Por isso, os olhos dos especuladores estão voltados para o bairro. É preciso tombar com celeridade o bairro junto ao IPHAN nacional para ser viável realizar a salvaguarda de todas as vielas e fundos de vielas, que compõem o melhor exemplo do urbanismo inglês fora da Inglaterra.
O sucateamento dos espaços públicos, inclusive, de drenagem urbana, é a melhor forma de corromper a qualidade de vida e urbanidade desse histórico bairro, abrindo caminho para a privatização completa desse patrimônio urbanístico e dessa paisagem cultural da cidade, que é dos poucos bairros da capital que conserva uma identidade e imaginário urbano, capaz de gerar pertencimento local e orientação espacial.
Fred Le Blue Assis, idealizador do GYN 2030, doutor em Planejamento Urbano.
