3 de outubro de 2025
Artigo

A FONTE DA DISCÓRDIA EM GOIÂNIA: o impacto simbólico e social da destinação por Mabel da fonte do Parque Industrial para o Vaca Brava 

Imagem reprodução

Fred Le Blue Assis, idealizador do GYN 2030, doutor em Planejamento Urbano.

O impacto funcional da remoção do equipamento de ornamentação aquática e aeração climática do lago na região do parque da Lagoa, no bairro periférico Parque Industrial João Braz (destinando-o ao Parque Vaca Brava, no bairro da elite Setor Bueno), promovida pelo prefeito Mabel, resulta numa desigualdade socioespacial estrutural entre as áreas de verde urbanizado na cidade. Isso porque, o acesso, a infraestrutura e o uso desses ambientes naturais são mais ínfimos nas regiões mais periféricas, do que nas áreas centrais e nobres. Por isso mesmo, a aparente decisão de trocar 6 por meia dúzia, de um bairro para o outro, está mais por ir de 80 a 8, porque a perda do equipamento no local de origem, certamente, reforça diversos estigmas deletérios sobre as populações periféricas, normalmente, marginalizadas, excluídas e invisibilizadas pelo Estado e as suas políticas urbanas e ambientais.

A pseudosolução não atende ao princípio da razoabilidade e interesse público, porque aprofunda a injustiça territorial ambiental em Goiânia, privando os moradores do Setor Parque Industrial João Braz do direito à cidade e à natureza, coincidentemente ou não, principal reduto do deputado Clécio Alves, maior desafeto político de Mabel, cujo filho foi até secretário da AMMA na gestão Rogério Cruz. No âmbito simbólico, essa decisão revela a lógica mercadológica e eugenista com que a atual gestão percebe os moradores mais vulneráveis social e economicamente, sem uma visão sustentável e sistêmica de Goiânia, que, a meu ver, deve manter a mesma urbanidade e qualidade de vida nos seus quatro cantos. 

Essa conjuntura minora ainda mais o sentido de pertencimento local e autoestima coletiva nas bordas da cidade, que, quase sempre, costuma receber um serviço público de qualidade inferior e de forma mais morosa. Um exemplo clássico desse tipo de prática governamental é a distribuição seletiva do tipo de iluminação pública nas cidades. A luminosidade em bairros mais pobres, em geral, é de menor voltagem, o que acaba potencializando a drogadição, crime organizado e violência urbana nessas regiões. Na nossa capital, apesar de o Programa Brilha Goiânia de substituição de lâmpadas da capital pela tecnologia LED (mais econômica e sustentável), prever a inclusão dos condomínios fechados de Goiânia que recolhem a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), o luxuoso Residencial Aldeia do Vale, na região Norte da capital, teve prioridade máxima no cronograma.

Esse abismo social entre as áreas de ambiente natural, que foi, inclusive, matéria de artigo científico do INPE na cultuada revista Landscape and Urban Planning, aponta para uma relativização do status de Goiânia ecologicamente correta, como título da ONU de Cidade Árvore do mundo. Isso porque as áreas verdes não estão dispostas de forma homogênea em toda a cidade, com o mesmo padrão de mobiliário urbano e atendendo a todos os perfis de moradores. Alguns bairros podem ter 2 bosques, como o Setor Oeste, e outros, nenhum, ou mesmo praças e árvores numa quantidade capaz de favorecer o microclima e drenagem urbana. Essa realidade justifica o uso de conceitos como racismo ambiental, porque o aquecimento global não tem sido sentido com a mesma intensidade por toda a população. 

A denúncia de malbarateamento do patrimônio público da periferia dessa síndrome de Robin Hood às avessas, cometida pela própria gestão, é preocupante, porque faz da injustiça social, ambiental e climática uma política do governo,  devendo ser combatida e revista doravante. A marca registrada da gestão Mabel parece ser mesmo uma mentalidade complacente com os valores neoliberais, já que pretende privatizar os parques municipais nas áreas mais caras da cidade, e já tem cobrado taxas para fins festivos nos espaços públicos verdes. Esse cenário tende a afugentar, desses locais, os goianienses periféricos, pretos e pobres, inclusive do João Braz, no caso, para visitar a antiga fonte de água que foi para o brejo do Vaca Brava. 

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