9 de setembro de 2025
Economia

A Nova Guerra Fria Comercial: Como a Era da Geoeconomia Está Remodelando o Mundo e Colocando o Brasil na Mira

Imagem reprodução

Desde o primeiro dia de seu segundo mandato, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acionou uma de suas armas favoritas: as tarifas. Começou com México e Canadá, atingidos com taxas de 25% ainda no rescaldo da posse. Depois, a onda protecionista seguiu para a Ásia, a União Europeia – que fechou um acordo em julho fixando tarifas em 15% – e, mais recentemente, chegou ao Brasil.

Por trás dessa escalada tarifária, analistas apontam uma transformação profunda na ordem global: a ascensão da geoeconomia, um cenário em que instrumentos econômicos são utilizados como armas geopolíticas. Sanções financeiras, controle de investimentos, manipulação monetária e barreiras comerciais são os novos artefatos desta guerra, e sua principal vítima é a Organização Mundial do Comércio (OMC), o pilar das regras multilaterais do pós-Guerra.

O Renascimento de uma Velha Estratégia

A guinada não é totalmente nova. O termo “geoeconomia” foi cunhado em 1990 por Edward Luttwak, que previu que, com o fim da Guerra Fria, os métodos comerciais substituiriam o poder militar como principal instrumento de disputa entre nações. Mas foi com a ascensão da China e a reação dos EUA que o conceito saiu da teoria e dominou a prática.

“A criatura que surgiu foi a geoeconomia”, define Renato Baumann, pesquisador do Ipea e autor de “A Geoeconomia e a Estrutura Produtiva Brasileira”. Para ele, a lógica da Casa Branca é combater o déficit comercial “de qualquer forma”, e as tarifas são a ferramenta escolhida.

As Múltiplas Faces da Geoeconomia

A economista Vera Thorstensen, da FGV e ex-integrante da missão brasileira na OMC, explica que a estratégia vai muito além das tarifas. Ela se vale do conceito de “guerra por outros meios”, onde a economia é armamentizada.

  • Barreiras Não Tarifárias: Exigências sanitárias, ambientais e trabalhistas extremamente rígidas, muito usadas pela União Europeia.

  • Investimentos como Arma: A China é mestre nisso, financiando infraestrutura em países em desenvolvimento através de projetos como a Nova Rota da Seda, criando dependência e influência política.

  • Poder Financeiro: O controle do dólar como moeda global dá aos EUA um poder imenso para impor sanções e moldar o fluxo de capitais. Thorstensen prevê a emergência das “geofinanças”.

  • Domínio Digital: Das big techs às campanhas de desinformação, o controle da tecnologia e dos dados é um campo de batalha crucial.

OMC: Uma Instituição em Crise Existencial

O alvo central dessa nova ordem é a OMC. Enquanto a organização defende regras multilaterais e princípios como o da “nação mais favorecida”, a geoeconomia prega o cada um por si, sem mediação internacional.

A crise da OMC se aprofundou quando Trump, em seu primeiro mandato, paralisou seu Sistema de Solução de Controvérsias (SSC), uma espécie de tribunal internacional, ao bloquear a nomeação de novos juízes. Sem um árbitro eficaz, a lei do mais forte – ou do mais economicamente armado – prevalece.

“Existem boas razões para crer que ela ou se transforma ou vai deixar de existir”, sentencia Vitor Ido, professor de Direito Comercial da USP.

O Brasil no Centro do Furacão

Para o Brasil, este novo cenário é particularmente perigoso. O país se vê espremido entre seus dois maiores parceiros comerciais: os EUA, que impõem tarifas punitivas, e a China, que amplia sua influência através de investimentos e compras maciças de commodities.

Em 2024, 28% de todas as exportações brasileiras foram para a China, um salto em relação aos 18% de uma década antes. Paralelamente, a influência de tradicionais parceiros como Argentina e Alemanha diminuiu.

“O cenário é trágico para nós”, analisa Vera Thorstensen. “Sempre ficamos nessa posição cômoda, em cima do muro entre China e EUA. Agora não tem jeito: nós teremos que escolher entre um deles.”

A retórica de Trump sobre uma “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro é vista por especialistas como um mero “jogo de cena”. Os interesses reais por trás do “tarifaço” seriam conter a influência do BRICS e proteger setores estratégicos dos EUA, como big techs e empresas de cartão de crédito, potencialmente ameaçadas por inovações brasileiras como o Pix.

Um Futuro de Incertezas

Enquanto o Itamaraty recorre à enfraquecida OMC para contestar as tarifas americanas, poucos acreditam na eficácia da medida. “Mesmo que a OMC diga: ‘OK, Brasil, você está certo!’. O que ela pode fazer contra os Estados Unidos? Sancionar? Punir? Eu te digo: ela não pode fazer nada”, reflete Daniel Kosinski, cientista político da UERJ.

A conclusão unânime é que o mundo entrou em uma nova e volátil era, onde as regras claras do comércio global deram lugar a um jogo de poder bruto e interesses nacionais exacerbados. Neste tabuleiro geoeconômico, o Brasil, uma das maiores economias do mundo e um parceiro crucial da China, se vê como um peão central – e vulnerável – em um jogo cujas regras ainda estão sendo escritas pela força.

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