A Marginal Botafogo vive interdições frequentes durante o período chuvoso, em função do caráter crônico de desgaste e risco de desabamento na região. Essa obra foi a primeira grande intervenção viária da cidade para resolver o problema de fluxo de trânsito na cidade.
Idealizada no fim dos anos 1980, na gestão de Nion Albernaz, era chamada também de anel viário, mas de anel não tinha nada. O que foi vendido como promessa de Goiânia fazendo parte do panteão das grandes capitais com vias largas e expressas, tornou-se aos poucos um transtorno expressivo, até porque na época não havia uma cultura de sustentabilidade ou drenagem urbana sustentável, uma preocupação com as mudanças climáticas. Como foi a primeira experiência de via marginal, não havia experiência municipal para garantir um projeto e uma obra de acordo com os melhores padrões de qualidade. No entanto, sabemos que a manutenção é considerada paliativa no Brasil. Então, a situação atual do desgaste crônico pode ser fruto de erros do projeto, de engenharia e zeladoria do equipamento público. Já são 34 anos de intervenções mal acabadas e inacabadas, canalização do córrego com canais estreitos aumentando a velocidade de água e impermeabilização das áreas verdes.
Os diagnósticos imagéticos e os danos registrados nos últimos dias indicam a estabilidade daquele trecho da via e indicam que existe risco real de colapso estrutural em pontos da marginal, o que inviabilizaria o uso contínuo da Marginal Botafogo como via de grande fluxo. Como a obra não foi pensada para sofrer impactos de grandes quantidades de água, as pontes e os canais têm apresentado fissuras preocupantes. Entre 2019 e 2023, a Marginal Botafogo foi interditada, pelo menos 40 vezes, por causa de alagamentos, enchentes ou erosões, o que pode ter colapsado a estrutura do concreto.
A ocupação do leito do Ribeirão Botafogo contribui para o agravamento dos danos, bem como, outros erros históricos de planejamento. Ao longo dos anos houve várias grilagens, ocupações e doações de áreas naturais públicas no entorno do rio, transformando o que poderia ser áreas de infiltração natural das chuvas em ambiente construído. O erro histórico é crasso e aristotélico: a ocupação desordenada das margens do córrego forçou a construção muito próxima da marginal no leito do rio, obrigando os canais a serem mais estreitos. Ou seja, a calha não é compatível com o tamanho do telhado.
O projeto dos dois piscinões alardeado por Mabel, com custo estimado em R$ 120 milhões, pode resolver o problema ou apenas minimizar os impactos, ou também piorar. Isso porque existem diversos tipos de piscinões: piscinõeszões e piscinõezinhos, e o projeto deveria ser feito ouvindo a população e os especialistas. É possível que, se forem feitas sem planejamento e licitação, essas obras tragam novos problemas, além de não solucionar os velhos. Qualquer solução que passe pela canalização e invisibilização dos rios, a meu ver, pode gerar mais consequências nefastas, porque estamos vivendo a revolta das águas turbinadas pelo aquecimento global. O problema maior é que a tecnologia dos piscinões costuma demandar que eles sejam fechados por risco de afogamento, contaminação da água, acúmulo de lixo, manutenção e operação e segurança da estrutura. Há que haver um projeto de cidade sustentável e não operações tapa-buraco nas falhas visíveis de drenagem urbana e engenharia civil.
As alternativas urbanísticas para lidar com áreas de risco geológico e hídrico como a da Marginal não passam por soluções interdisciplinares para que sejam analisadas variáveis multifatoriais. O projeto original de Attílio Lima para a Marginal era de um parque linear, mas nada impede de aproveitar a pista para uso esportivo e recreativo, franqueado o acesso para patins, skates, bicicletas e outros veículos leves. Essa área pode se tornar o parque mais aprazível da cidade, se o rio voltar a ter cara de rio, e não de rua.
Investir apenas em obras estruturais não é suficiente e Goiânia precisa combinar soluções ambientais, como renaturalização do ribeirão e aumento de áreas permeáveis. Jardins de chuva são uma solução espongiária que permite a chuva ser acolhida pela cidade de maneira não refratária. Mas, para isso, é preciso inverter o olhar e seguir o caminho das águas para facilitar o seu trabalho, do que tentar empurrar o problema debaixo do canal. A visibilização do rio, combinada com estratégias de reuso e armazenagem, pode permitir assumir o sentido primeiro da palavra Goiânia, oriunda de “Goyanna em Tupi-Guarani “Guyanna”, que significa “terra de muitas águas”.
Resumindo: só a ambientalização do meio ambiente urbano por meio do incremento de áreas verdes permeáveis pode ser a chave para que as forças das águas possam fazer o seu ciclo hidrológico sem comprometer a vida urbana e humana. Se nada for feito a Marginal deverá torná-la ruína desativada, como um carro velho que aos poucos some de circulação e fica só na porta de casa, vez que o risco de ruptura e acidentes com mortes será iminente. Pode ser feito um novo projeto urbanístico, demolindo esse, mas, certamente, ficaria mais caro do que pensar qualquer outra solução mais sustentável, e o resultado poderia ser o mesmo, porque o problema principal é mais de drenagem urbana, do que de engenharia civil. Não ponte que aguente esse volume de águas todos os anos, porque estão marginalizando a natureza do seu espaço vital na paisagem. Água mole, pedra dura…
Dr. Fred Le Blue Assis (planejador urbano e idealizador do GT GYN 2030)
