3 de outubro de 2025
Artigo

Anistiados contra anistia é pura hipocrisia 

 

Em um espetáculo de coerência que só a política nacional é capaz de oferecer, a Câmara dos Deputados foi palco, na quarta-feira, de uma aula avançada de revisionismo histórico. A pauta: um projeto de anistia. A cena: filhos de figuras anistiadas pela Lei de 1979 erguendo vozes firmes e digitais decididas para… votar contra a anistia.

Sim, leitor atento, você não leu mal. A mesma esquerda que, décadas atrás, lutou – muitas vezes com razão – contra a censura e por uma anistia “ampla, geral e irrestrita” para os crimes cometidos durante a resistência à ditadura (que iam de opinião política a sequestro, roubo a banco e assassinato), agora acha que o perdão é um artigo de luxo que não se concede a quem, em tempos recentes, “apenas manifestou sua opinião”, ainda que com resultados igualmente conturbados para a ordem pública. A hipocrisia, como diria um meme, não apenas anda solta, mas já ganhou cadeira cativa no plenário.

A ironia, é claro, veste camiseta. E não qualquer uma, mas a que estampava o peito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na capa de uma revista na mesma semana. O mesmo Lula que pede anistia em algodão penteado é o comandante máximo de um partido cuja nova geração parece acreditar que anistia é como uísque: ótima para a geração passada, mas perigosa na mão da de hoje.

É de se perguntar se a lição de casa desses jovens parlamentares incluiu um estudo detalhado do curriculum vitae do próprio governo que hoje defendem. Um governo que, em sua versão 3.0, parece ter adotado o lema “por que ter um escândalo por ano quando podemos ter uma lista?”.

Enquanto negam o perdão a manifestantes, os herdeiros políticos daquela esquerda anistiada navegam em um oceano de escândalos que fazem os rompantes revolucionários dos anos 70 parecerem amadorismo. O Mensalão e o Petrolão seriam suficientes para afundar qualquer reputação, mas a lista é tão vasta que exige um índice: INSS, Correios, Banestado, Sanguessugas, Zelotes, BNDES, fundos de pensão (Petros, Funcef, Postalis), Eletrobras, Transpetro, empreiteiras (Andrade Gutierrez, Odebrecht), Caças Gripen, Pasadena, Refinaria Abreu, Instituto Lula, Sítio de Atibaia, Triplex no Guarujá, Cartões Corporativos, Sete Brasil, portos de Mariel e Moçambique, escândalos no DNIT, BR Distribuidora, tragédia de Mariana… A lista segue, um verdadeiro checklist da má gestão e da corrupção sistêmica.

E no centro desta teia, a figura do presidente, que, não custa lembrar, foi condenado em três instâncias pela Lava Jato – condenações posteriormente anuladas por questões processuais, mas cujos fatos nunca foram apagados da memória do país.

A esquerda, portanto, envelheceu. E envelheceu mal. Gritavam contra a censura nos porões do DOPS; hoje, alguns de seus filhos defendem a censura nos tribunais e nas plataformas digitais. Lutavam por anistia para crimes graves; hoje, negam o mesmo direito a quem cometeu delitos de opinião. Viraram, com uma precisão tragicômica, a caricatura do que diziam combater.

A camiseta do presidente é, no fim, a peça perfeita para o figurino desta farsa: um pedido de anistia para o futuro, enquanto se enterra o passado recente e se administra um presente repleto dos mesmos vícios que se jurou extirpar. É a política do “faça o que eu digo, não faça o que eu fiz, nem preste atenção no que estou fazendo agora”. E o espetáculo continua.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *