As movimentadas ruas de Xiamen, uma metrópole costeira chinesa, escondem uma realidade sombria da modernidade digital. Homens e mulheres, muitos deles jovens instruídos, ex-profissionais e até pequenos empresários, dormem em calçadas e praças. Eles são as vítimas humanas visíveis de um sistema de crédito social que, em nome da “confiabilidade”, aplica punições que equivalem a um exílio da sociedade.
O mecanismo é implacável. Ao ser incluído na “lista negra” do sistema, seja por dívidas judiciais ou por comportamentos considerados inadequados, o cidadão tem seus perfis bloqueados nas carteiras digitais WeChat Pay e Alipay. Em um país onde essas plataformas concentram praticamente todas as transações financeiras, o bloqueio é uma sentença. Sem elas, é impossível receber salários, pagar aluguel, comprar comida ou marcar uma consulta médica – uma verdadeira “morte civil” na era digital.

A pontuação de crédito social, que reduz cada cidadão a um número, dita o acesso a direitos fundamentais. Em Xiamen, por exemplo, é necessário ter mais de 584 pontos para sequer visitar um hospital público. O sistema opera por incentivos e punições: ganha-se pontos por ações como se vacinar ou, significativamente, por denunciar um vizinho; perde-se pontos por publicar o que o governo classifica como “desinformação”.
A “Lista de Pessoas Desonestas Sujeitas à Execução”, mantida pelo Supremo Tribunal Popular da China, é um dos pilares desse sistema. Quem nela consta tem suas informações compartilhadas com bancos e empresas privadas, que são instruídas a restringir contas, travar o acesso ao transporte público e cortar todos os meios de subsistência.

O aplicativo WeChat, onipresente na vida chinesa por integrar rede social, comunicação e serviços financeiros, atua como um braço automatizado de vigilância, denunciando automaticamente críticas ao governo. Após a denúncia, o usuário tem um prazo de apenas 72 horas para resgatar eventuais fundos antes do bloqueio total.
O resultado, observável nas ruas, é devastador. Pessoas são expulsas não apenas da vida digital, mas da vida real, condenadas à invisibilidade e à miséria por um sistema de controle comportamental.
Especialistas em direitos humanos alertam que essa engenharia de controle, vendida sob o disfarce de modernidade e segurança, já inspira debates e modelos institucionais no Ocidente. No Brasil, observam com preocupação as discussões no Supremo Tribunal Federal que caminham na direção de sistemas de vigilância e punição comportamental, ecoando perigosamente o experimento chinês.