Frente a uma possível farça judicial que é o julgamento dos ditos antidemorcraticos e onde a mesma balança tem pesos diferentes para diretistas e esquerdistas, uma declaração da porta-voz do presidente norte-americano Donald Trump, Karoline Leavitt, sobre o uso do “poder económico e militar” dos EUA para defender a “liberdade de expressão” no mundo, foi interpretada pelo governo Lula como uma ameaça direta à soberania nacional. A afirmação, feita durante coletiva de imprensa na terça-feira (9), ocorre no ápice do julgamento no STF do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por acusações de atos antidemocráticos.
A manifestação da Casa Branca gerou reações imediatas e furiosas de ministros e auxiliares do Planalto. A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), foi a mais contundente, classificando o episódio como parte de uma “conspiração da família Bolsonaro” e afirmando, em suas redes sociais, que os EUA “ameaçam invadir o Brasil para livrar Bolsonaro da cadeia”. Ela também defendeu a cassação do mandato do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos Estados Unidos para articular a defesa do pai.
Integrantes do governo, sob anonimato, relataram à reportagem a gravidade com que o tema é tratado. Um deles afirmou que o Itamaraty deve se manifestar formalmente e que parlamentares da base governista serão encorajados a responder à Casa Branca. Outro ministro desdenhou do argumento de defesa da liberdade de expressão, lembrando que manifestantes bolsonaristas carregaram bandeiras dos EUA em protestos recentes contra o STF e o presidente Lula.
Declaração sob Escrutínio
A declaração de Leavitt foi dada em resposta a uma pergunta sobre possíveis novas sanções ao Brasil devido ao julgamento de Bolsonaro. “O presidente não tem medo de usar o poder económico e o poder militar dos Estados Unidos da América para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo”, disse ela.
Curiosamente, a Embaixada dos EUA no Brasil republicou o vídeo da fala completa no X (antigo Twitter), mas a mensagem de acompanhamento do post omitiu justamente o trecho que menciona o “poder militar”, o que aumentou a desconfiança das autoridades brasileiras.
Cenário de Imprevisibilidade
Fontes diplomáticas admitiram, sob reserva, que já havia uma expectativa de manifestação dos EUA, mas que a imprevisibilidade que marca o governo Trump torna qualquer reação difícil de prever. Um diplomata afirmou que a estratégia, no momento, é não “alimentar o debate” na semana crítica do julgamento no Supremo.
O presidente Lula, que estava em trânsito para Brasília após agenda em Manaus no momento da declaração, ainda não se manifestou oficialmente, mas espera-se que o faça em breve. O episódio coloca sob holofotes a relação entre os dois países e levanta questões graves sobre a ingerência estrangeira em assuntos internos da Justiça brasileira.